Gêmeo digital, protótipo online idêntico ao físico, diminuiu pela metade o tempo de liberação de exames de urgência no Hospital da Mulher de Feira de Santana
Por Fabio Nóbrega – 09/10/2024
SÃO PAULO (SP) — Representar digitalmente um ativo, sistema ou processo físico para compreender e modelar seu desempenho. Essa é uma definição da ferramenta digital twin (gêmeo digital, na tradução literal do inglês).
Basicamente, é a reprodução de um ambiente no meio digital por meio de um protótipo para que possam ser testadas melhorias, mudanças e simular como o mesmo irá se comportar.
Foi com esse conceito que o projeto de pesquisa aplicada Lean Healthcare, desenvolvido na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), revolucionou a rotina do Hospital da Mulher de Feira de Santana. A unidade de saúde tem 100% dos atendimentos feitos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Coordenado pela professora Cristiane Pimentel, membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), o projeto possibilitou a redução no tempo de liberação de resultados de exames laboratoriais urgentes na unidade de saúde baiana.
Antes, os laudos demoravam cerca de quatro horas para ficarem prontos e agora são entregues em duas. Essa redução no tempo ajudou até mesmo na redução dos índices de mortalidade infantil no hospital.
Cristiane Pimentel abordou o tema na palestra “Evolução na Saúde e Transformação Tecnológica por meio de Gêmeos Digitais”, ministrada nesta quarta-feira (9), segundo dia da 24ª edição do Futurecom, considerado o maior evento de conectividade, inovação e tecnologia da América Latina, que é realizado até esta quinta-feira (10), em São Paulo.
Na terça-feira (8), especialistas do IEEE debateram as tendências da tecnologia para 2025. Entre as expectativas para o setor, está justamente o avanço dos gêmeos digitais. A estimativa, inclusive, é de uma taxa anual de crescimento no uso de mais de 33% entre 2024 e 2032.
O Lean Healthcare foi reconhecido como um dos dez melhores projetos na área de saúde no Lean Summit Saúde, congresso nacional realizado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, no início de setembro passado.
Aplicação na prática
É com o uso de ferramentas de engenharia de produção que os processos para otimização são testados nas unidades de saúde. A implementação prática daquilo que poderá ajudar na rotina do hospital é precedida pelos testes feitos por meio do digital twin.
Em 2023, o processo de simular com os gêmeos digitais permitiu ao grupo da UFRB otimizar a coleta de exames laboratoriais do Hospital da Mulher de Feira de Santana, por meio de um acordo de cooperação, culminando na redução de 50% no tempo de liberação desses testes.
Cristiane explica que o hospital tinha a liberação de resultados de exames de urgência como um grande problema. Muitas vezes, as pacientes ou os recém-nascidos recebiam alta, mas ficavam esperando quatro ou cinco horas para os resultados dos exames de urgência. Em alguns casos, a liberação para o parto dependia dessa liberação.
Após identificar o problema, o grupo precisava entender como era o fluxo do exame, desde o momento em que era solicitado até a entrega, passando pela realização. A partir disso, seguiam na implantação do gêmeo digital do hospital.
“A gente projeta a planta do hospital num sistema virtual, por isso o nome gêmeo digital, porque a gente faz um gêmeo do hospital, um gêmeo daquela planta, de todos os setores”, explicou Cristiane.
“Então a gente posiciona onde os médicos estão, onde os pacientes estão, onde os enfermeiros estão e desenhamos todo o fluxo e colocamos para funcionar com os dados do hospital, os dados reais porque é gêmeo digital”, completou a professora, acrescentando que, com a simulação, é possível ver os cenários sem fazer as modificações de fato.
O grupo chegou à conclusão que a otimização consistia em mudar o fluxo por onde o técnico de enfermagem passava. “A gente fez o gêmeo no sistema, simulou por onde ele deveria passar. Eu estudei: quais os locais que solicitavam mais exames? Onde é que tinha mais pacientes de risco que eu precisava solicitar exames específicos? E então colocamos todas essas informações no simulador”, prosseguiu Cristiane Pimentel.
A mudança nessa rotina ajuda ainda na questão dos altos custos de um setor de obstetrícia. “O que é, por exemplo, você ganhar 50% de exames? Você otimiza esse centro cirúrgico porque um centro de obstetrícia custa muito, então você consegue otimizar”, completou a pesquisadora do IEEE, destacando que atualmente o grupo trabalha com estudos em relação ao fluxo de maqueiro e otimização do leito de limpeza.
“Quando a paciente tem alta, a gente precisa de uma agilidade grande e liberar aquele leito para admissão. Não adianta só eu entregar se o leito não estiver preparado para receber. Então a gente faz uma simulação daquela limpeza daquele leito no simulador”, pontuou a professora.
Um dos próximos passos a serem trabalhados pelo grupo é a implantação de wearables, os dispositivos vestíveis, como smartwatches. Com esses equipamentos, os responsáveis pelos fluxos como maqueiros, enfermeiros e profissionais de limpeza terão dados para auxiliar as tomadas de decisão, que, junto com o simulador, podem se tornar mais rápidas.
Outro dos principais benefícios da aplicação do gêmeo digital é promover a transformação digital com sustentabilidade. “É sustentável porque evita a exposição de pacientes a mudanças bruscas, a infecções e proporciona um atendimento mais personalizado do paciente”, explicou Cristiane Pimentel.
O projeto tem mais de 45 artigos publicados, livro lançado, mais de cinco registros de jogos digitais desenvolvidos para ensino em outras unidades de saúde.
Além dos trabalhos com o Hospital de Feira de Santana, o grupo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia trabalha com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico em Informática e Eletro-eletrônica de Ilhéus (Cepedi) e uma fábrica da mesma cidade, que fica no sul da Bahia. No próximo ano, vão começar a cooperar com uma fábrica de Manaus, no Amazonas.
Futuro de mais investimentos
Cristiane Pimentel explicou, na palestra desta quarta-feira (9), que o mercado global de investimentos em gêmeos digitais deve chegar a US$ 126 bilhões em 2030 — essa cifra em 2020 era de US$ 5 bilhões.“Para 2025, a gente vai transformar em uma startup e levando isso de uma forma social, inicialmente. Nosso objetivo é basicamente unidades SUS e porta aberta, porque tem um foco social por trás do projeto. Já fomos contactados por algumas unidades de saúde. Devido a questões logísticas devemos começar pelo Hospital da Criança [de Feira de Santana] e depois levar para o Martagão Gesteira [hospital de Salvador] e depois para o mundo”, prospectou Cristiane Pimentel.
O IEEE
O IEEE é a maior organização profissional técnica do mundo dedicada ao avanço da tecnologia em benefício da humanidade.Os membros do instituto inspiram uma comunidade global a inovar para um futuro melhor por meio de seus mais de 420 mil membros em mais de 160 países. No Brasil, são mais de 5 mil membros.
As publicações, conferências, padrões de tecnologia e atividades profissionais do IEEE são recomendadas por diversos especialistas.
Futurecom 2024
A 24ª edição do Futurecom, maior evento de conectividade, inovação e tecnologia da América Latina, é realizada entre 8 e 10 de outubro, no São Paulo Expo, na capital paulista.Com o tema central “Brand New World on the Edge – A conectividade e as novas relações pessoas-máquinas”, o evento irá explorar as fronteiras das interações entre humanos e tecnologias emergentes.
*O jornalista viajou a convite do IEEE
Leia mais em: https://www.folhape.com.br/economia/digital-twin-o-que-e-ferramenta-tecnologica-que-ajuda-a-transformar/365669/